quarta-feira, 5 de julho de 2023

Os longos vazios, uma nota sobre um conto de Clarice Lispector

Lendo o conto "O triunfo", de Clarice Lispector, do livro Primeiras histórias, me lembrei do que Pedro Sette-Câmara comentou no Telegram sobre a primeira parte de As horas de Katharina, de Bruno Tolentino, sobre os silêncios que hoje, na era das telas e toda sorte de diversão, não temos mais, e como isso nos levava a ser bons observadores, que éramos capazes de ter atenção, de nos interessar pelas coisas, de olhar demoradamente para elas. A história narrada no conto é muito simples, uma mulher acorda numa casa retirada, numa rua silenciosa, talvez uma casa de campo, uma chácara, e dá-se conta de que o amado dela não está mais ao seu lado, e lembra-se de que se irritara com ela, alegando que lhe tirava a concentração necessária para escrever um romance, que ela sempre se mostrava solícita nos momentos em que ele não queria conversar com ninguém, e resolve ir embora, para um lugar onde suas aspirações intelectuais fossem plenamente respeitadas, e ela, por sua vez, alimenta a esperança de que ele volte (esperança essa que aumenta quando depara, decepcionada, uma confissão de sensação de "mediocridade" escrita num papel que por acaso encontrara, tornando-o assim uma figura por algum momento desinteressante, vulnerável), que lhe diga que foi um mal entendido, uma brincadeira e, enquanto isso, olha as coisas ao redor, lava roupa, toma banho... Enfim, em meio a tanto silêncio, o leitor não deve esperar as peripécias narrativas, mas, por outro lado, depara as modulações do espírito humano muito bem observadas e descritas, e muito bem mimetizadas por uma escrita sinuosa, mas uma sinuosidade sutil, sem obscuridades, que mostra domínio pleno da música da língua. Tenho a impressão de que na era da internet escrever assim e sobre esses assuntos não é mais possível, ao menos não me parece crível.

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